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afonsonunes

afonsonunes

26 Dez, 2011

De baixo para cima

 

Antes de mais, convém esclarecer quem anda em baixo e quem anda em cima, nas andanças da vida. Os primeiros são cada vez mais, enquanto os segundos são cada vez menos. No entanto, estes ficam cada vez mais gordos, como se as gorduras da grande maioria dos que se vão transferindo para baixo, se fossem incorporando nos que se aguentam em cima.

Temos assim uma sociedade de magros e de gordos, tendo em conta o volume das respectivas barrigas, em que os gordos avolumam cada vez mais à custa do definhamento progressivo dos que caminham para aquele estado em que, a breve trecho, não lhes restará mais que a pele e o osso entre a cabeça guedelhuda e os pés descalços.

Ouvi dizer que, para acabar, ou tentar equilibrar um pouco mais o tamanho destas barrigas, é preciso fazer reformas de baixo para cima. Que é preciso fazer reformas, lá isso é. Mas de baixo para cima é que me está cá a dar um zunido nos ouvidos que até parece que já deixaram de ligar a tudo o resto que se passa ali ao lado.

E, ali ao lado, vejo os magrinhos a implorar que os reformadores olhem para cima para que as gorduras que aí estão a mais comecem a descer. Mas, em vão. Insistem em que tem de se começar por baixo e ir subindo, como se não se soubesse que essas prometidas reformas nunca chegarão lá acima, porque subir custa demasiado.

Porque as subidas dos benefícios dos de baixo, custam muito a trepar a quem tem a barriga grande, que é quem os devia dar. Subir as reformas, ainda por cima estruturais, de baixo para cima, é uma canseira dos diabos. Daí que elas vão ficar sempre a meio caminho, não passando da velha canção do bandido.

Daí que era muito mais fácil começar essas reformas de cima para baixo, que mais não fosse para que os reformadores barrigudos andassem mais depressa, pois sempre ouvi dizer que, a descer, todos os santos ajudam. E, já uma antiga celebridade dava a entender, as gorduras correriam melhor de cima para baixo, que de baixo para cima.

Os vasos comunicantes têm de ter uma força que os obrigue a comunicar, senão acabam por ficar bloqueados, com o líquido circulante entupindo os respectivos vasos. A força tem de vir da natureza. E a natureza não pode, de forma alguma, entupir direitos básicos dos povos e dos mais elementares princípios de equidade e justiça social.

Obviamente que não resulta querer que as gorduras comuniquem com as magrezas em contramão. Que o mesmo é querer cortar gorduras nas magrezas que já estão em baixo, para as acrescentar às gorduras que sempre estiveram lá em cima. Se bem entendo, isso não são reformas estruturais mas sim, velhas estruturas reforçadas.    

Só pode reforçar-se o que já existe. Ora, o que já existe não presta logo, é preciso deitá-lo fora, reformá-lo, sim, mas não para agravar o mal que já existe. Mas, por uma questão moral, por força de uma necessidade vital, é necessário começar a cortar por cima, para que não se corte tanto cá em baixo.

Caso contrário, as estruturas não aguentam, principalmente se, em lugar de reformas estruturais, cá em baixo se virem contra reformas cada vez mais anormais, por nunca passarem do rés-do-chão deste edifício que é sociedade. Vamos todos meter mãos à obra para que se cumpra o calendário das imposições. Mas com verdade.

Quando se falar de necessidades para o país, é essencial que nunca colidam com o princípio fundamental dos vasos comunicantes. Que nunca se pretenda resolver as necessidades dos de cima com as carências dos de baixo. É preciso que os exemplos venham de cima para baixo e nunca de baixo para cima.