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afonsonunes

afonsonunes

16 Mar, 2012

Viver de pé

As árvores, depois de nascerem, crescem e vivem de pé, até que a morte as definhe. Mas, também morrem sempre de pé e assim se mantêm até que o homem ou a natureza as derrube definitivamente. De pé, que é como quem diz, na vertical, porque a árvore não sabe olhar para trás, nem para os lados. Mas olha sempre em frente. E, para ela, em frente, é sempre para cima.

 

Já o mesmo não acontece com os humanos. Não nascem todos iguais, nem da mesma maneira, tal como não é possível que vivam todos sempre de pé. Deitados, sentados, no chão, ou em mobiliário do mais rudimentar ao mais luxuoso, a trabalhar ou a dormir, com uma postura condizente com a sociedade em que se integra, ou uma postura agressiva, egoísta e individualista.

 

Neste péssimo período da nossa vivência coletiva, atingimos um ponto que é de muito difícil caracterização, no que ao passado diz respeito, uma vez que de todos os lados chovem demagogias que não pretendem mais que esconder os contributos que cada um deu para se chegar aqui. Ora, sem ficar claro sobre quem e como errou, não se pode seguir por caminho limpo.

 

Nestes labirintos da treta, já tivemos o tiro ao Álvaro e estamos agora na fase dos tiros do Álvaro, que parece ter deixado prender o gatilho. Daí que já pareça uma metralhadora. Do mesmo calibre de outras que tem ao lado. Tal procedimento cada vez deixa mais claro que esta gente não vive de pé. Porque isso implica a tal verticalidade que não conseguem mostrar.

 

Esta fase está a deitar cá para fora uma série de feitos de demagogos que sempre tiveram a sensação de que conseguiriam submergir, quais submarinos que nunca mais chegam à superfície. Julgam que o conseguem através da focagem dos holofotes sobre outros feitos, de outros protagonistas que, afinal, cada vez vão ficando mais esbatidos, à medida que se mexe neles.

 

Viver de pé, é falar verdade com factos e nunca lançar suspeitas como factos. Viver de pé é não andar há mais de uma dúzia de anos a instrumentalizar a justiça através de denúncias anónimas que logo deixam de o ser, mas com impunidade garantida. Viver de pé é agir segundo princípios morais que não se rebatem com argumentos falaciosos na tentativa de os abafar.

 

Viver de pé é não confundir roubos evidentes com presumíveis favores. E, mesmo dentro dos favores, quem anda de cócoras tentando vender a sua seriedade, não devia confundir a dimensão desses favores, sobretudo quando sempre andou a tentar inventar uma espécie de clareza que, afinal, não passava de uma charca de podridão, hoje já bem à vista, mesmo de quem não queria ver.

 

Viver de pé é não falar de verdades que já lhes fizeram crescer o nariz para uma dimensão nunca vista em qualquer dos seus antecedentes. Viver de pé é deixar que tudo seja averiguado sem reticências e sem boicotes a tudo o que querem que seja ocultado custe o que custar. Viver de pé, é não subverter evidências, mesmo com prejuízo de leis e regulamentos.

 

Viver de pé é não deixar que as opulências dos seus rebanhos se sobreponham às necessidades básicas de quem lhes cria todas as condições para se manterem assim, através do seu trabalho árduo e mal pago. Viver de pé é não fazer tudo o que lhes é possível, para que os seus defeitos sejam passados, como que por osmose, para pessoas que não se lhes comparam.

 

O país tem muita gente que nunca soube viver de pé. Isso, em grande parte, justificaria por si só, muitas das calamidades que nos caíram em cima. Se alguém não tem mesmo nada a ver com isto, são precisamente os mais sacrificados. No lado oposto, estão os que mais acusam, os que mais contribuíram e os que mais roubaram. Alguns, provados, não param de se rir.

 

 O país nunca tinha passado por isto. Não sabemos sequer se o pior está para vir. Talvez. Ninguém vai morrer de pé como as árvores. Mas era bom que toda a gente soubesse o que era viver de pé. Para que a morte pudesse ser sempre um ato de libertação de virtudes e não o expiar de monstruosidades acumuladas na consciência.