22 Jan, 2009
Até tu, gaivota
Uma gaivota voava, voava… Esta gaivota tornou-se o símbolo da liberdade para muitos portugueses, que um dia acreditaram que também podiam voar, rumo a um mundo diferente, bem diferente do mundo de opressão e silêncio a que os tinham votado até então, os seus proclamados defensores.
Um dia, o pensamento voou de imediato tão alto como a gaivota, espraiando o seu olhar na vastidão do horizonte, à procura de tudo aquilo que nunca vira, nem nunca sonhara poder vir a desejar. O pensamento pode voar, mas o corpo não é como o da gaivota, que tem penas para voar, enquanto o homem só tem penas para carpir, por vezes com muitas lágrimas à mistura.
Se a gaivota ainda é símbolo de liberdade para muita gente, ela tornou-se também um pesadelo para quem tem a sua casa permanentemente sob o seu comportamento ruidoso e poluidor, sobre os telhados que invade e corrói cada vez mais.
Quanto ao símbolo da liberdade, também ele se vai diluindo, na medida em que se aperta cada vez mais o crivo por onde passam os benefícios, que vão chegando a alguns mas, de um modo geral, àqueles que têm mais canção que necessidade. Quem tem mais necessidade, mas não sabe cantar, vai-se esquecendo da gaivota que voava, voava.
As gaivotas também já se esqueceram que deviam morar no mar, de onde recolhem o precioso sustento e onde tão bem sabem baloiçar sobre as ondas, à espreita das suas vítimas distraídas. Hoje, tal como o mundo muda para pior, em termos de violência, também elas, as gaivotas, se tornaram violentas e irritantes, criando um autêntico inferno a quem as atura dentro das suas casas.
Parece pois, que estamos perto do fim das gaivotas dos cravos, para passarmos a assistir ao massacre das gaivotas dos telhados que, cada vez mais, se assemelham aos pombos que infestam muitos locais, de muitas cidades, infestando de dejectos, praças, largos e avenidas, danificando edifícios e transmitindo doenças a quem lá mora.
Haverá gente que dirá que uma gaivota sujava, sujava, não podendo sequer reclamar que ela lhe traga a liberdade de decidir o que fazer para eliminar a árdua tarefa de limpar o martírio da ameaça á sua saúde e ao sossego dentro da sua própria casa que, inesperadamente, passou a ser também a casa das gaivotas.
O mundo vai estar cada vez mais violento. As crianças, não tardará, vão nascer violentas, e parece que não será possível travar essa violência à medida que vão crescendo. Algumas aves, símbolos da leveza e delicadeza dos ares, desenvolvem-se e procriam a um ritmo ameaçador, que põem em causa os seus recursos e os do homem, lutando permanentemente, cada vez mais violentamente, pela própria sobrevivência.
Estudam-se e descobrem-se planetas a anos-luz da terra. Terra que está aqui tão perto, e ninguém se preocupa com ela. Que pena, se viermos a perder essa gaivota que voava, voava.