27 Jan, 2009
Partilha
Não vamos fazer a partilha de nenhuma herança, pois não estou a ver por aí ninguém interessado em criar-nos mais problemas que aqueles que já temos, com a dita e pesada que nos deixaram, ou nos vão arranjar ainda. É que, de heranças, só se for daquelas para receber. De pagar, estamos nós mais que fartos.
Além disso, mesmo quando as partilhas são para dividir qualquer bem, acabamos muitas vezes divididos e na eminência de partilharmos uns insultos com quem vamos fazer essas conflituosas partilhas. Mas, deixemos esses problemas familiares e vamos a outro tipo de partilhas, porventura bem mais raros entre nós.
Vi há dias uma reportagem televisiva feita por um jornalista estrangeiro, num país de outro continente, onde os hábitos de vida são completamente diferentes dos nossos. Mas, o interesse que me despertou essa reportagem, residiu no facto de o seu autor ter permanecido numa aldeia indígena durante um período de tempo razoável, instalado numa casa onde esteve acompanhado de oitenta pessoas.
Uma casa que, por si só, devia ser uma aldeia inteira, onde a vida em comum obrigava a partilhar o trabalho e os alimentos com total equidade entre todos os elementos ali residentes. Esta partilha natural, baseada na igualdade de direitos e deveres, fez-me pensar seriamente na evolução das sociedades ao longo dos tempos.
Aquele jornalista, quando acabou o seu trabalho naquela aldeia longínqua e isolada, sentiu que vivera uma experiência ímpar na sua vida, precisamente, porque se sentiu possuído de um bem que ele não conhecia. O sentimento de partilha e de reciprocidade, com entrega total de cada um ao seu semelhante, sem hipocrisia, sem desejos de superar fosse quem fosse, sem ter necessidade de dar ou receber ordens, sem ir além ou ficar aquém dos seus oitenta companheiros de casa.
Vida primitiva, é certo, sem um mínimo daquelas condições que fazem de nós uma sociedade evoluída e cómoda, em que cada um compra o que lhe apetece, se puder, ou vende a alma ao diabo, se lhe der na real gana. Há aqui, nas nossas vidas, qualquer coisa ao contrário daquela atitude colectiva pura. Coisa a que se pode chamar individualismo, gerador de uma espécie de liberdade, diferente da liberdade daqueles indígenas.
Aquele jornalista teve uma calorosa despedida no momento de partir, como se fosse um dos naturais a afastar-se, para sempre, do convívio de toda aquela grande família. Disse ele, que no seio dessa numerosa e inolvidável família, se lembrava muito da sua distante família. Principalmente, porque sentia uma enorme vontade de partilhar com ela, muitas das experiências que ali vivera, desejando adoptar na sua casa, muitas das atitudes e práticas que ali aprendera.
É verdade que ninguém deseja o regresso ao passado, mas é bem certo que todos viveríamos melhor se nunca se tivessem esquecido certos preceitos de vida em comunidade, com sentido de partilha, com repúdio por todos os ódios, com repulsa por todas as formas de egoísmo e mesquinhez.