29 Jan, 2009
Naquela tertúlia
A primeira coisa que me chama a atenção é a existência de grupos. A segunda coisa em que reparo, é que esses grupos não são todos iguais. A terceira coisa que me vem à ideia é que aquilo, os grupos, são como as equipas de futebol, em que uns jogam com doze, outros com onze e, frequentemente, alguns acabam o jogo com menos um, dois ou três elementos. Mas aqui ninguém é expulso. Os ausentes resolveram dar o fora.
Aquela tertúlia é um lugar fixe para se estar, que mais não fosse porque está bem aquecida com palavras acesas ao longo de todo o dia e, por vezes à noite, quando não apetece ir para a confusão da rua, ou para o silêncio ensurdecedor da televisão lá de casa, onde até os mostram com cara de eternos divertidos.
Depois, há aquele convívio entre grupos animados, que tudo fazem para que as conversas não caiam na monotonia que dá sonolência a um ou outro mais ‘avançadote’ em idade, sobretudo depois do almoço, ou a algum mais novato que passou a noite anterior na borga da Lisboa fadista.
Os grupos têm uma maneira muito peculiar de ocupar os tempos vivos. Para isso, usam de toda a vivacidade possível, de preferência, fazendo tudo o que o que está ao seu alcance para nunca estarem de acordo, única forma de manterem o calor ambiente à temperatura ideal contra o frio que faz lá fora.
Em compensação, utilizam os tempos mortos para aquelas conversas mais íntimas, como os amores aos clubes preferidos, os amores dos passos perdidos e os amores de outros passos, mais recentemente achados. Assunto proibido por decisão unânime, são os amores aos árbitros, por causa das ‘ciumeiras’ dos benefícios e prejuízos.
Aquela dinâmica de grupos é extraordinariamente eficaz para motivar uma saudável cooperação para a concretização dos objectivos da tertúlia. Mas, se acaso se vislumbrar qualquer fraqueza no sistema, então é desde logo accionado o subsistema de subgrupos, isto é, dentro de cada grupo, cria-se uma espécie de grupelho, que é um grupo pequeno, com funções ‘avivadoras’ da dinâmica que dava sinais de começar a murchar.
Esta táctica permite dar um calor entusiástico às amigáveis discussões, ao mesmo tempo que cria um ambiente de expectativa no momento das votações, antecedidas de contagem de cabeças, pelos dedos, de quem vota a favor, quem vota contra, e quem se abstém. No entanto, no fim, verifica-se que os grupelhos, ou mini grupos, servem apenas para evitar as cabazadas, que até no futebol já não há, verificando-se resultados quase sempre pela margem mínima.
Depois, cá fora, diz-se que o grupo A só ganhou por um voto, ou que o grupo B só perdeu por um voto. Olha que maravilha. No futebol também se ganha por um a zero e ninguém se queixa. Naquela tertúlia, é para isso que servem os grupelhos. É para amenizar resultados, desvalorizando as vitórias, exaltando as derrotas, contribuindo assim para a concórdia e a aproximação entre grupos que, quem anda distraído cá fora, pensa que são rivais. Qual quê.
Então, já alguém viu discussões a sério num jogo de futebol? Naquela tertúlia é a mesma coisa. Quando há um debate, (sim, na tertúlia também há debates) ainda ninguém viu um esboço sequer, que ponha em causa o clima amigável que ali reina. É simplesmente admirável.