Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

afonsonunes

afonsonunes

01 Jun, 2009

Gatos assanhados

 

Também podia dizer que andam por aí papagaios excitados, mas o gato assanhado parece-me uma imagem mais real do rosto crispado, do som mais aproximado à voz um tanto asmática e arranhada de um gato em momento menos feliz da sua vida.
O gato assanhado enfrenta o seu adversário com as unhas de fora, prontas a dilacerar tudo o que se aproxime o suficiente, para ficar ao alcance da sua patinha cortante, ao arranhar em profundidade. Tudo ao contrário da imagem tranquilizadora de um gato sentado, lambendo o pêlo calmamente, ou sonhando de olhos fechados com a próxima tomada da papinha.
A fase da calma e da papinha fica para daqui a uma semana e tal, pois agora é tempo de caça, não ao rato, nem à latinha do embalado, mas à caça do aperitivo chamado voto, que vai trazer depois muitas coisas boas, para os felizes caçadores de sucesso.
É sabido que esta maratona assanhada não é nada fácil, nem para os gatos assanhados, nem para os gatos sentados que, mesmo que queiram, não vão ter paz na sua cadeira de baloiço, principalmente, se tiverem por perto uma caixinha mágica de barulhos, que se faz eco dos bichanos assanhados, nas horas de todos os destemperos.
Sabemos que são tendências habituais de todos os gatos, quando se entregam a estas caçadas periódicas, pois são elas que lhes vão garantir, uns anitos tranquilos mas, em boa verdade, eles não são todos iguais. Uns, são mais assanhados que outros, tal como uns, miam com mais asma e patinhas no ar, enquanto outros, mais calmos e serenos, apenas miam, porque não podem limitar-se a ressonar.
Porém, a calma e a serenidade é de imediato interrompida, quando uma arranhadela mais forte vem ao seu encontro e aí, lá se troca a posição de sentado, pela posição de combate, para que a honra felina não fique ferida, ainda que o pêlo fique eriçado, como se tivesse levado uma boa camada de gel.
Gosto de olhar para eles, apenas como gatos assanhados, tentando descortinar o maior ou menor grau de assanho de cada um deles, comparando a movimentação das patinhas, com a tonalidade dos seus ácidos rosnares, com os avanços e recuos tácticos e ainda com a agilidade das suas línguas, quando a boca se abre demasiado.
Tudo bem observado, consigo fazer um diagnóstico bastante detalhado, o qual me permite elaborar uma lista de classificação, que me servirá de referência no acto de formalizar a eleição do gato mais assanhado.
Contudo, há aqui uma pequena discrepância que me levou já a tomar uma decisão, muito provavelmente, contrária a quem gosta e dá muito valor às pessoas mais assanhadas. Eu, que também me assanho com frequência, reconheço que isso por vezes é sinal de pouca razão.
Por isso, como já dizia José das Dornas, nas Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Dinis, eu vou pela mansidão. Não é por regra, mas por excepção. Não gosto do gato demasiado assanhado.