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afonsonunes

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08 Jun, 2009

Vozes

 

Tenho quase a certeza que ainda ninguém imaginou José Sócrates a dar uma gargalhada como a Júlia Pinheiro, ou a fazer um discurso de campanha eleitoral com a voz bonita e harmoniosa de Paulo Rangel. Ao pensar nisso, logo me vem à ideia aquilo que a gargalhada podia significar de felicidade, tal como a voz ‘rangélica’ podia ser fonte de toda a credibilidade do mundo.
E que bem que ficaria a voz de Moura Guedes em Rodrigues dos Santos, bem como o piscar do olho direito dele, no olho direito dela, enquanto Vasco Valente descansa de olhito fechado, à espera que ela abra os dois. Ao pensar nisso, imagino como a um, teria um rosto reciclado, enquanto a quatro, teria uma cara lavada e podia dispensar Vasco Valente que, assim, iria para a caminha a horas decentes.
Também a voz de Vital Moreira podia fazer coro com a voz de Paulo Rangel, com mais oitava acima ou abaixo, de barítonos a condizer com a massa física do primeiro, e a arranhar a lógica da largura peitoral do segundo. Ao pensar nisso, logo me vem à ideia o desperdício de qualidades, quando ambos podiam misturar as vozes, dando um exemplo de bem falar, com toda a frescura juvenil das suas gargantas.
Vamos supor que Jorge Gabriel tinha a voz de Ilda Figueiredo, e que Sónia Araújo tinha o privilégio de poder usar a voz de Pinto da Costa. Em primeiro lugar, tenho a certeza que nunca mais haveria conversa de ‘chacha’ na um, por parte dele, nem tanta dança por parte dela. Em segundo lugar, a música, sim, essa seria bem diferente. Ao pensar nisso, acho que tive uma boa ideia.
Na minha imodesta opinião já há algumas semelhanças entre a voz de Ferreira Leite e a voz de Moura Guedes. Mas, para ficarem em sintonia perfeita, havia todo o interesse em ouvi-las em dueto na sexta-feira à tardinha, sob o efeito clarificador dos holofotes. Como assistente de sessão, ficava bem a presença e a voz atiradiça de Paulo Rangel. Ao pensar nisso, fico com a sensação de que estaria em presença de um trio maravilhoso.
Encontrei muita dificuldade em aliar a voz forte e máscula de Paulo Portas a outra figura de prestígio igual ao dele. Não foi fácil. O melhor que encontrei foi o vozeirão de José Sócrates, quando ambos se encontram na Assembleia. Só têm o defeito, as vozes, claro, de destoarem um bocadinho, sim, só um bocadinho, da finura de voz de Paulo Rangel. Ao pensar nisso, fico com a ideia de que as recentes obras de remodelação do hemiciclo, ficaram muito aquém do desejável, em termos de condições acústicas.
Em contrapartida, Cavaco Silva tem uma voz perfeitamente enquadrada com o Parlamento, tal como Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã. Falta-lhes apenas a imaginação bucal de Marcelo, que não é gago, o sorriso de voz de Vitorino, que não engana, e a lata sonora de Judite de Sousa, que não se engasga. Ao pensar nisso, fico com a língua enrolada, incapaz de dizer o que penso.
Pois é. Quem já está sem voz sou eu, pois não ignoro que há vozes que não chegam ao céu. A minha, sem dúvida, porque já está tal qual, muitas das vozes que eu já tenho muita dificuldade em ouvir, apesar de largamente lançadas para os ares. Mas o ar está pesado e as vozes não sobem. Ao pensar nisso, fico com a ideia de que só o silêncio chega ao céu com toda a facilidade.

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