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afonsonunes

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Belém não é apenas o local de nascimento do menino que veio trazer a luz ao mundo e o consolo a muitos corações, a bater num mar de esperança e a transbordar de amor por todos os que sonham mas, sobretudo, por todos aqueles que sofrem com as maldades praticadas pelos senhores do mundo.
Belém não tem apenas uma cabana onde um burrinho e uma vaquinha não se cansam de libertar o seu bafo quente em direcção ao menino que nasceu gelado, mas que hoje, se fosse vivo, decerto esfregaria as mãos por tanto ter dado aos seus irmãos pobres.
Belém não é só o nome de uns pastéis muito apreciados pelos fãs da doçura que derrete a língua e dilata o coração de quem sabe que a vida tem, muitas vezes, a sabor amargo do vinagre, ainda que isso seja mais para os outros. Também não é novidade que há por lá outros pastéis, por sinal bem moles, indecisos e cismadores.
Belém tem aquela torre beijada pelo rio no seu ondular constante, meigo e acariciador, como se o granito duro e selvagem se tivesse enamorado pelo suave e fofo marejar das águas temperadas a meio sal, onde se diria que os peixes que por ali batem a barbatana, não são carne nem são peixe.
Belém tem ali ao lado os Jerónimos que nunca estão em campanha, nem tão pouco têm frases feitas há séculos, mas têm nomes que souberam engrandecer o país, mercê de uma visão que ia para lá do mar, ao contrário das visões de quem hoje em dia não consegue perceber o que se passa do outro lado da rua onde passa a toda a hora.
Belém não é apenas um extenso jardim à beira rio plantado, cada vez mais com tendência para copiar os jardins da Madeira, à beira mar implantados, contra todas as regras da natureza, desde logo, a rega salgada, que estraga as ideias meio irracionais e deforma os corpos meio atarracados pelo bater forte das ondas nos calcanhares.
Belém é onde mora o menino grande que nunca morou na cabana e é agora quem diz o que devemos e não devemos fazer, segundo a sua omnipresente opinião, mesmo que nunca lhe tenhamos pedido conselho. Mesmo que nem sempre tenha mostrado estar em condições de dar conselhos.
Belém é hoje uma fonte cujo caudal não corre para o Tejo porque, contra todas as leis da natureza, prefere correr avenidas acima e andar à procura de quem queira beber directamente da corrente.
Belém não é local de nascimento de meninos, mas andam por lá uns meninos que, ao que parece, andam a portar-se muito mal. Ao menos que brincassem aos jardins lindíssimos, continentais ou insulares, ou dessem umas voltas pelos Jerónimos, apreciando a seriedade e a verdade da nossa história, que tão maltratadas andam hoje em dia.
Belém continuará a comer pastéis, porque bons pasteleiros é o que não falta por lá, ainda que os açúcares vão escasseando, tornando a pastelaria mais azeda de dia para dia. Até os espanhóis já notaram isso e parece que não gostaram.
Belém continuará a ter uma torre de se lhe tirar o chapéu, uma torre que continuará a ser de comando. A estrelinha que brilha lá no alto, a estrelinha que sempre serviu de bússola ao país e, por vezes, até ao mundo, dá a impressão que está a ser prejudicada por um nevoeiro rasteiro, que se arrasta junto ao Tejo.
Belém necessita da estrelinha brilhante, mas não precisa mesmo nada do nevoeiro, que até parece ser artificial. Coisas do tempo. Modernices.