21 Out, 2009
Envergonhado
Pelo menos, eu não conheço o sujeito de lado nenhum e, no entanto, aparece-me escarrapachado por aí, como autor de uma grande tirada noticiosa, neste dia em que Saramago anda nas bocas do mundo, por causa de umas explicações literárias sobre o seu novo livro Caim.
Esse sujeito que eu não conheço, é euro deputado e tem o nome de David, facto que logo me fez lembrar David e Golias. Efectivamente, se nesta história houvesse um grande e um pequenino, Saramago seria indubitavelmente Golias mas, atenção, que nenhum David vulgar e metediço, alguma vez podia sequer competir com ele.
Podem dizer que Saramago é comuna, que não merecia o Nobel, que mais isto e que mais aquilo. Só o dizem agora, quando ele se meteu num caminho onde certos defensores de uma certa liberdade encontram, à mão de semear, um apoio grande, fácil e garantido. Com efeito, eles estão sempre prontos a sentirem-se asfixiados ou ‘claustrofobiados’ quando lhes convém inchar estrategicamente, mas são eles também os maiores defensores de uma certa rolha na boca dos outros.
Ora, não é um qualquer deputado que tem base intelectual e curricular que se assemelhe ao grande escritor laureado em todo o mundo. Nem se pode fazer depender o valor da sua obra literária, de qualquer opinião mais ou menos polémica, que manifeste nas suas obras ou nas suas palavras.
Por acaso estará o tal deputado a sugerir-lhe o que ele deve ou não fazer, o que ele deve ou não escrever, o que ele deve ou não dizer? Sinceramente, acho que deve ter-se tratado de um momento disparatado da sua reflexão política.
Também há a possibilidade de ter querido mostrar a sua fidelidade a alguém da igreja, que ele julga, ou tem a certeza, que lhe pode ser muito útil em momentos de reflexão religiosa. Sim, porque há quem acredite em milagres e, por muita coisa que tenho visto, não tenho dúvidas de que há coisas que só se conseguem por autênticos milagres.
Toda a gente tem o direito de concordar ou discordar dos pensamentos dos outros. Bem diferente, é um qualquer pensador arrogar-se o direito de punir ou premiar quem muito bem lhe apetece, sabendo que, nem com um escadote à mão, lhe chegará aos calcanhares.
Parece que o sujeito se sente violentado pelas declarações de Saramago. Há um bom remédio para curar esse mal. É não usar violência verbal para com quem não se meteu com ele, pois falar de imbecilidades e impropérios não é propriamente emitir opiniões, ou mesmo uma crítica, mas sim uma ofensa a quem tem o direito de exprimir o que sente dentro de si.
Certamente que o tal sujeito nunca se deu conta das imbecilidades e impropérios que tem proferido no âmbito das suas actividades partidárias, a exemplo do que fazem tantos outros, sem que alguma vez lhe tenham feito semelhantes sugestões. E, se alguém o fizesse, não faltariam exortações aos seus direitos, e maldições a quem pretendesse retirar-lhos.
O facto de se atrever a sugerir a Saramago que renuncie à nacionalidade portuguesa, parece-me de uma tal crueldade, mesmo vindo de tempos remotos que, embora abusivamente, me dá o direito de lhe dizer que fique lá, por onde se encontra, com toda a sua indignação que, por cá, a mim, não me faz falta nenhuma.
Finalmente, o sujeito sente-se envergonhado com as citadas declarações. Parece-me que seria fácil resolver esse problema. Bastaria tão simplesmente que tivesse mais cuidado com o que lê. Sendo tão sensível a conteúdos que lhe ferem o íntimo deve, a todo o custo, evitá-los definitivamente.
Para provar a eficácia da minha opinião, juro que não estou envergonhado com tudo aquilo que o sujeito desopilou a este propósito. Se alguém tem motivos para isso não sou eu.