Haja saúde e coza o forno
Parece que toda a gente devia estar feliz se a saúde e o forno funcionassem na perfeição. Mas, na verdade não é assim, até porque há sempre gente que nunca está feliz de maneira alguma. Bem sabemos que é muito difícil nos tempos que correm haver alguém que se considere completamente feliz. Ou simplesmente feliz.
Porém, a felicidade é um bem muito escasso e tem múltiplas maneiras de ser medida. Ter saúde e ter comida em cima da mesa todos os dias, é já um factor de satisfação para muitas famílias, especialmente as menos favorecidas e as mais vulneráveis. No lado oposto, quem não tem preocupações dessas, tem outras, nem sempre menos preocupantes.
Quando o dinheiro não abunda, mesmo mal distribuído, as rotinas lá se vão encaixando nos diversos extractos sociais, dado que cada um deles sabe com o que conta: muito pouco, pouco ou nada, bem como entre os que sobrevivem, os que apenas vivem e os que esbanjam escandalosamente. Mesmo estes, lá têm as suas complicações.
Apesar das terríveis consequências da pandemia que assusta e até mata, anda no ar um cheiro a montes de dinheiro que perturba até aqueles que mais têm. Porque os assusta que a fatia que lhes vá caber seja desproporcional ao seu egoísmo. Que uma parte desse dinheiro destinado a suprir desemprego e miséria, lhes fuja do controlo.
Trata-se do dinheiro da UE que está prometido aos países que a compõem para compensar as consequências da pandemia. Pelo seu elevado e invulgar montante, agitam-se governantes, agitam-se partidos, agitam-se confederações patronais, agitam-se sindicatos e agita-se toda a espécie de corporações e organizações.
Todos desconfiam, ou não confiam mesmo, na competência de quem vai ter a difícil missão de distribuir esse balúrdio. Daí que já tenha começado a guerra do bota abaixo ao governo, manifestado nas críticas à saúde, agora em foco, como meio de influenciar quem seja vítima de situações decorrentes de circunstâncias absolutamente anormais.
Sim, os milhares de milhões cegam os ambiciosos, os gananciosos, os mentirosos, os poderosos, os criminosos, os raivosos. Até os estúpidos, os ignorantes, os revoltados, que nada sabem, mas que para tudo têm uma solução: correr com o governo e todas as ramificações que detêm o poder. Para quê? Não sabem, mas diriam o mesmo do próximo.
Como se alguém fosse capaz de tomar melhores medidas sanitárias, mas este é o argumento mais a jeito de tentar encostar o governo à parede, forçando, através de chantagem política, influenciar a aprovação do orçamento que vai ditar o destino do balúrdio previsto. Tudo e todos querem entrar nessa guerra da benesse que aí vem.
No entanto, há outra guerra camuflada no meio desta pandemia. Também já anda no ar o colorido do folclore das próximas presidenciais. E o presidente Marcelo, com a preocupação de mostrar a sua independência, vai mostrando o seu pendor para agradar a gregos e a troianos. Por vezes com farpas a quem menos as merece.
Haja saúde e coza o forno. A saúde tem aspectos incontroláveis e há deuses e demónios que dificilmente se conciliam. Como em tudo, há um céu e um inferno que acolhe indiscriminadamente os bons e os maus da Terra. Mas cá nesta Terra, há infernos que nem o calor dos fornos do pão minimizam o sofrimento da fome que ainda leva ao outro inferno.