TAMBÉM EU!...
O meu avozinho tem as suas preferências como toda a gente. Para ele, todos os anos, é ano de um animal qualquer. Assim do tipo chinês, mas ele é bem português e dos tesos, como diz o povo.
De há três para cá, foi sempre ano do coelho e, para ele, nem pensar em mudar. Já lhe sugeri que vai sendo tempo de ter um ano do porco. A resposta foi a que eu esperava. O país só lá vai com coelho.
Já lhe fiz notar que há quem festeje o ano da águia, do dragão ou até do leão. Mas o meu avozinho não vai nisso. Diz-me que é independente. Que escolhe sem pressões de ninguém. Nem de mim.
Bom, eu também sou independente. Mas gostava que ele mudasse. Por exemplo, não gosto de o ver sempre com a mesma cor de vestuário. Claro que eu só vejo por fora. Mas imagino o resto.
Embora ache interessante umas ceroulas laranja. É giro. Mas já lhe disse que o normal é as pessoas variarem. Não, disse ele, eu não vario, eu sou rigoroso. Bom, eu também sou rigoroso, mas tanto…
Na verdade, a virtude que o meu avozinho mais preza é ser isento. Foi sempre assim. Ficou isento de ir à tropa com uma valente cunha. Sempre esteve isento de pagar quase tudo por inteiro. Eu, não.
Gosto muito do meu avozinho. Sou tão independente, tão rigoroso e tão isento como ele. Mas não tenho os mesmos gostos dele. Detesto três anos de coelho. Não gosto de laranja. Não estou isento de nada.
Mas, sobretudo, adorava que o meu querido avozinho não fosse tão veemente a exaltar as suas virtudes. Isso compete aos outros. E o meu avozinho sabe, como ninguém, rotular aqueles que detesta.
Como estamos na Páscoa, sei que o meu querido avozinho, praticante rigoroso, isento e independente da sua fé, já se foi confessar. Espero e acredito que já compreenda melhor o seu neto.
Já agora, acrescento que o meu avozinho é um homem sério. É capaz de chamar estúpido a um homem, mas é incapaz de chamar burro a um coelho. Eu, que também sou sério, não chamo porco a ninguém.